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14 julho 2010

Matemática ideológica

É revoltante a hipocrisia do presidente Lula nos assuntos relacionados à democracia, liberdade de pensamento e direitos humanos. É muito claro que opinião do governo federal nestas áreas depende das pessoas e Estados envolvidos. Os posicionamentos diplomáticos do Brasil têm sido resultado de uma matemática ideológica. Explico.

Considere esta situação: um regime estabelecido, claramente ditatorial, fundamentado em leis promulgadas para garantir a hegemonia de um grupo ou ideologia sob disfarce de democracia. Chamarei este de "regime X". De outro lado alguém que não concorda com essa ditadura, que se disfarça de democracia, e que se opõe publicamente, fazendo forte oposição. Este alguém se chamará "cidadão Y". Visto como um perigo para "X", "Y" é considerado criminoso e posto na clandestinidade. Sob perseguição, proibido de falar sobre sua opinião, o "cidadão Y" decide pelo caminho da clandestinidade na luta pelo enfraquecimento do regime ditatorial "X" e pelo reestabelecimento da verdadeira democracia em seu país. Depois de algum tempo de ação "Y" é preso. É submetido a cruéis torturas e tratamento desumano a fim de denunciar seus apoiadores e criar medo entre aqueles que simpatizam com sua visão política. Agora pergunto: quem o presidente Lula apoiará e justificará? Quem o presidente Lula condenará e considerará criminoso ou inimigo do povo? "X" ou "Y"? A resposta é: "depende".

Esta equação se resolve assim: se "X"="regime socialista" ou "X"="regime anti-americano", então não importa quem seja "Y", pois este sempre será o criminoso, terrorista ou inimigo do povo. Pode-se prender sem julgamento justo e torturar "Y" que nosso presidente não se importa. Ou, pelo menos, dirá que não opiniará pois não quer se intrometer em assuntos internos de um Estado estrangeiro. É essa a solução que se aplica aos casos de presos políticos em Cuba e Irã, ou à forma como é tratada a oposição no regime de Hugo Chaves na Venezuela.

Entretanto, se "X"="regime ditatorial de direita" ou "X"="regime democrático pró-americano", então em geral teremos "Y"="companheiro" ou "Y"="revolucionário de esquerda" e nosso presidente se lembrará de todas as declarações de direitos humanos e políticos que conhece e defenderá o direito do "povo" lutar contra a tirania ou o imperialismo. É o caso dos traficantes das FARC, tolerados pelo governo federal em território brasileiro, e dos "companheiros" que foram perseguidos pela ditadura militar brasileira. É o caso da "companheira" Dilma e do próprio presidente Lula.

Claro que os brasileiros que lutaram contra a ditadura militar foram importantes para o reestabelecimento da democracia e devem ser lembrados como pessoas que acreditavam num Brasil que poderia ser melhor. Sou contra a tortura que alguns sofreram e contra qualquer forma de ditadura ou terrorismo. Mas minha oposição a essas formas de transgressão de direitos humanos e políticos é universal e não depende da opinião política de quem as sofre ou da ideologia do regime que as pratica. O argumento que uso para condenar as atrocidades que a ditadura militar praticou no Brasil uso também para exigir que Cuba reestabeleça a democracia e liberte seus presos políticos. Afinal de contas, se o povo cubano gosta do regime e se identifica com a ideologia da revolução, então não há porque a família Castro deva temer a democracia e a liberdade de oposição, não é?

Quanto ao Irã, vejo a amizade de Lula como patética. O presidente sabe muito bem que o país é uma teocracia corrupta governada por leis religiosas cruéis, que torturam e condenam à morte quem as transgrida. Não vejo nenhum motivo para que não se compare o que acontece no Irã com o que acontecia na época da Santa Inquisição, exceto pelo fato de que antes tudo se fazia sob o poder de um Papa e agora se faz sob a autoridade de um Aiatolá. Antes não se podia dizer que a Terra é redonda e agora não se pode dizer que a paz no mundo depende de diálogo com países antagonistas. Em ambos regimes teocráticos não eram e não são toleradas opiniões políticas ou religiosas diversas.

O que me pergunto é se o presidente Lula é realmente um verdadeiro democrata. Se é, porque tolera as ditaduras com quem mantém boas relações? E a resposta é uma só: para o presidente, a ideologia do regime é mais importante que a democracia ou os direitos políticos do cidadão. Ou, em outras palavras, democracia é bom para Estados não socialistas, mas atrapalha nos Estados socialistas. Deixando-se de lado o caso do Irã (com quem o presidente mantém amizade, não por se identificar com o regime teocrático, mas para poder brincar de ser opor ao "imperialismo" dos Estados Unidos), sempre que quisermos saber qual será a opinião do presidente Lula frente a uma questão de direitos do cidadão agredidos por um Estado, é só usarmos a equação da matemática ideológica de seu governo. Nessa matemática, onde "hipocrisia" substitui "hipótese", determine qual é o "regine X" e saberá o que fazer com o "cidadão Y".

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