É certo a experiência subjetiva e de cada um de nós, a vivência de nosso mundo mental, nos convence de que somos autoconscientes, mas só podemos estar certos de que o outro também é pela identificação de que todos fazemos parte de uma mesma espécie animal, a espécie humana, e que, em tese, o que um humano percebe voltando-se para seu mundo interior os outros também percebem ao olharem para si mesmos. Ou seja: embora só tenha certeza da minha própria consciência e capacidade de sentir amor e ódio, dor e prazer, suponho que todos os outros seres humanos também são capazes do mesmo. E essa conclusão, como não poderia ser diferente, tem sido repetidamente corroborada e confirmada pelas pesquisas nas áreas médicas, neurológicas, psicológicas e antropológicas.
Se todos sofrem com a dor, não é correto infringir ao outro uma dor que não quereríamos para nós mesmos. Do mesmo modo, se todos temos a mesma capacidade de sentir prazer, deveríamos nos preocupar em garantir que todos tenham as mesmas oportunidades de conquistar as satisfações que desejamos para nós mesmos. No campo da Ética, esta é uma das bases da solidariedade e dos direitos humanos básicos e universais. Em outras palavras, igualdade de oportunidades e direitos básicos universais são o fundamento sobre o qual pode se desenvolver a solidariedade humana.
Com efeito, direito à vida, direito a uma existência digna, proteção contra violência e proteção contra exploração degradante é o mínimo que se espera da solidariedade para com o outro, visto que é este autoconsciente e capaz de perceber dor e prazer como nós mesmos. Mas, e se eu lhe disser que esse outro pode não ser humano? Ele continua a merecer solidariedade? Mais ainda: e se um cientista lhe provar que outros animais são capazes das mesmas experiências subjetivas? E se ficar comprovado que outros animais também têm consciência? E se descobrirmos que a experiência da autoconsciência não é uma exclusividade do animal humano, como muitos ainda imaginam, mas uma realidade para muitos outros animais, tais como mamíferos e aves?
Como argumentei em artigo anterior, a Ética evolui na história. Não necessariamente para um sentido determinado, não necessariamente do pior para o melhor, ou do selvagem para o civilizado, mas certamente do menos complexo ao mais complexo, já que a experiência humana se acumula na história. Em vista disso, considerando que a nossa capacidade de nos identificarmos com o sofrimento ou com a alegria do outro nos conduziu, ao longo dos séculos, à compreensão de que o outro humano merece igualdade de direitos e oportunidades, somos obrigados agora a encarar um novo desafio: o de nos posicionarmos diante do outro não-humano, que de modo semelhante a nós também tem consciência e também é capaz de experimentar dor e prazer, sentir amor ou ódio.
Em 7 de julho de 2012, numa conferência em Cambridge, neurocientistas de todo o mundo assinaram um manifesto afirmando que todos os mamíferos, aves e outras criaturas, incluindo polvos, têm consciência. Leia a reportagem da revista Veja sobre o assunto e o documento original na íntegra (em inglês) para compreender melhor o que esses cientistas estão afirmando.
Em resumo, o que se descobriu é que as estruturas neuronais envolvolvidas na manifestação da consciência, da percepção de dor e prazer, das emoções básicas e até mesmo do sono REM também podem ser encontradas em muitos outros animais, como mamíferos e aves. Ao contrário do que antes se pensava, os cérebros desses animais são capazes de funcionar de modo similar ao humano e não foi encontrado nenhum motivo para se crer que esses animais não experimentam algo semelhante ao que chamamos de consciência.

Somos, portanto, instigados agora a repensar os limites da Ética e a estender a solidariedade a outros que, embora não sejam humanos, são, como nós, animais com uma rica vida mental. Provavelmente não idêntica à nossa, mas certamente complexa e consciente, capaz dos mesmos sentimentos, emoções, medos, dores, prazeres e, porque não diser, desejos básicos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário