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25 julho 2013

A evolução da Ética - 2

A ciência tem aberto novas portas para o entendimento da consciência humana e, em especial, para a compreensão das relações entre as estruturas cerebrais e a experiência subjetiva de ser autoconsciente, identificando diversos sistemas neuronais implicados nessa experiência.

É certo a experiência subjetiva e de cada um de nós, a vivência de nosso mundo mental, nos convence de que somos autoconscientes, mas só podemos estar certos de que o outro também é pela identificação de que todos fazemos parte de uma mesma espécie animal, a espécie humana, e que, em tese, o que um humano percebe voltando-se para seu mundo interior os outros também percebem ao olharem para si mesmos. Ou seja: embora só tenha certeza da minha própria consciência e capacidade de sentir amor e ódio, dor e prazer, suponho que todos os outros seres humanos também são capazes do mesmo. E essa conclusão, como não poderia ser diferente, tem sido repetidamente corroborada e confirmada pelas pesquisas nas áreas médicas, neurológicas, psicológicas e antropológicas.

Se todos sofrem com a dor, não é correto infringir ao outro uma dor que não quereríamos para nós mesmos. Do mesmo modo, se todos temos a mesma capacidade de sentir prazer, deveríamos nos preocupar em garantir que todos tenham as mesmas oportunidades de conquistar as satisfações que desejamos para nós mesmos. No campo da Ética, esta é uma das bases da solidariedade e dos direitos humanos básicos e universais. Em outras palavras, igualdade de oportunidades e direitos básicos universais são o fundamento sobre o qual pode se desenvolver a solidariedade humana.

Com efeito, direito à vida, direito a uma existência digna, proteção contra violência e proteção contra exploração degradante é o mínimo que se espera da solidariedade para com o outro, visto que é este autoconsciente e capaz de perceber dor e prazer como nós mesmos. Mas, e se eu lhe disser que esse outro pode não ser humano? Ele continua a merecer solidariedade? Mais ainda: e se um cientista lhe provar que outros animais são capazes das mesmas experiências subjetivas? E se ficar comprovado que outros animais também têm consciência? E se descobrirmos que a experiência da autoconsciência não é uma exclusividade do animal humano, como muitos ainda imaginam, mas uma realidade para muitos outros animais, tais como mamíferos e aves?

Como argumentei em artigo anterior, a Ética evolui na história. Não necessariamente para um sentido determinado, não necessariamente do pior para o melhor, ou do selvagem para o civilizado, mas certamente do menos complexo ao mais complexo, já que a experiência humana se acumula na história. Em vista disso, considerando que a nossa capacidade de nos identificarmos com o sofrimento ou com a alegria do outro nos conduziu, ao longo dos séculos, à compreensão de que o outro humano merece igualdade de direitos e oportunidades, somos obrigados agora a encarar um novo desafio: o de nos posicionarmos diante do outro não-humano, que de modo semelhante a nós também tem consciência e também é capaz de experimentar dor e prazer, sentir amor ou ódio.

Em 7 de julho de 2012, numa conferência em Cambridge, neurocientistas de todo o mundo assinaram um manifesto afirmando que todos os mamíferos, aves e outras criaturas, incluindo polvos, têm consciência. Leia a reportagem da revista Veja sobre o assunto e o documento original na íntegra (em inglês) para compreender melhor o que esses cientistas estão afirmando.

Em resumo, o que se descobriu é que as estruturas neuronais envolvolvidas na manifestação da consciência, da percepção de dor e prazer, das emoções básicas e até mesmo do sono REM também podem ser encontradas em muitos outros animais, como mamíferos e aves. Ao contrário do que antes se pensava, os cérebros desses animais são capazes de funcionar de modo similar ao humano e não foi encontrado nenhum motivo para se crer que esses animais não experimentam algo semelhante ao que chamamos de consciência.

O texto declara: “The absence of a neocortex does not appear to preclude an organism from experiencing affective states. Convergent evidence indicates that non-human animals have the neuroanatomical, neurochemical, and neurophysiological substrates of conscious states along with the capacity to exhibit intentional behaviors. Consequently, the weight of evidence indicates that humans are not unique in possessing the neurological substrates that generate consciousness. Non-human animals, including all mammals and birds, and many other creatures, including octopuses, also possess these neurological substrates.” (A ausência de um neocórtex não parece impedir um organismo de experimentar estados afetivos. Evidências convergentes indicam que os animais não-humanos têm a neuroanatomia, neuroquímica e substratos neurofisiológicos de estados de consciência, juntamente com a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso da evidência indica que os humanos não são únicos em possuir os substratos neurológicos que geram consciência. Os animais não-humanos, incluindo todos os mamíferos e aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem estes substratos neurológicos.)

Somos, portanto, instigados agora a repensar os limites da Ética e a estender a solidariedade a outros que, embora não sejam humanos, são, como nós, animais com uma rica vida mental. Provavelmente não idêntica à nossa, mas certamente complexa e consciente, capaz dos mesmos sentimentos, emoções, medos, dores, prazeres e, porque não diser, desejos básicos.

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