Poucos hoje negam o fato da evolução. Nem todos concordam com a evolução biológica, mas é difícil imaginar que alguém não veja como óbvia a evolução na cultura e no conhecimento. Parece impossível de sustentar, por exemplo, que o conhecimento científico, a filosofia e as relações políticas e econômicas do mundo atual, para dar alguns exemplos em diferentes àreas, possam ser mais simples e superficiais que os que existiam, por exemplo, há mil anos atrás.
Cabe aqui uma breve observação sobre o significado que aqui dou à palavra evolução. Os dicionários costumam relacionar evolução à idéia de mudança e movimento. E geralmente fazem isso associando a essa mudança ou movimento, (a) ou um caráter meramente transformativo, (b) ou um caráter ordinal. Neste último caso, a mudança ou movimento ocorre numa sucessão que contém em si uma certa ordem simbólica, como num caminho do menos para o mais, do inferior para o superior, do bárbaro para o civilizado. Não é assim que uso a palavra evolução. Em meu texto, evolução é simplesmente como definida no item 'a': mudança ou movimento num processo sem ordem além de causas e efeitos.
Dito isso, ressalto que não pretendo dizer que a cultura e a ética hoje é melhor ou superior às antigas, mas simplesmente diferentes, onde uma ou mais é posterior à outra ou outras, de forma que as mais recentes, em alguma medida, dependem das antigas e podem, em alguns aspectos, por causa dessa sucessão e do acúmulo de experiências, ser mais complexas. Muitos dirão que a complexidade e o acúmulo de experiências é uma coisa boa e que, no fim das contas, evolução significaria, sim, um melhoramento. Mas reafirmo que a evolução que gera um aparente melhoramento não é senão uma espécie no gênero evoluções. Certamente a espécie desejada, mas não a única possível (e a história tem diversos exemplos a apresentar).
A evolução na Ética é o que me interessa agora. Embora nem todos concordem, está bem estabelecido atualmente que todos os seres humanos são possuidores de uma dignidade que lhes garante diretos inatos à vida, à liberdade, à autodeterminação e à felicidade de forma igualitária. São os chamados direitos humanos. Mas não foi sempre assim. Se ainda hoje se discute se a orientação sexual é um direito humano, até pouco tempo atrás sequer se considerava a igualdade dos gêneros como direito humano. E faz pouco mais que algumas décadas que a maioria dos países do mundo reconheceram a escravidão como uma agressão aos direitos humanos. Também não precisamos voltar muitas décadas para lermos escritos filosoficos, políticos ou religiosos negando direitos a não-brancos ou a judeus simplesmente por não os considerar humanos. Voltemos mais ainda, por volta de um ou dois milênios, e encontraremos leis e tradições onde a única pessoa que detinha poderes e direitos era o chefe de família, de forma que nenhum outro integrante do clã sob seu poder dispunha livremente de seu corpo, seus bens e sua vida. Neste caso, podemos afirmar que a Ética sofreu, de modo geral e em média, uma evolução para melhor através da história.
E para onde essa "boa" evolução da história tem nos levado?
O direito inalienável ao corpo e à liberdade era sequer cogitado em tempos passados, quando pessoas pagavam com escravidão suas dívidas e isso era considerado justo. O direito inviolável à vida ainda é discutido atualmente, mas grande parte dos países já concordam que ninguém, nem o Estado, deve ter poder sobre a vida do ser humano. Mas até poucos séculos a pena de morte não sofria objeções significativas, muito menos por parte da Igreja. E o que está por trás de toda essa evolução é o crescente reconhecimento de que o outro, aquele que não é o próprio observador, lhe é semelhante na humanidade e, mais importante, na consciência. Em outras palavras, o que desagrada, causa dor ou dá prazer ao observador provoca as mesmas sensações no outro, e por isso todos devem ser iguais em direitos e obrigações. São direitos universais dos humanos.
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